Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite e o desafio de pensar sobre esse assunto que é a adolescência, na atualidade e em uma adolescência atravessada por uma pandemia.
Bem, se pensarmos o adolescer como uma travessia que é marcada pelas questões presentes na sociedade, as marcas desse momento tão diferente das experiências que possuímos, certamente estarão presentes no adolescer atual.
Pretendo aqui fazer algumas reflexões que podem nos ajudar a pensar como auxiliar nessa travessia ou pelo menos não atrapalhar demais, o que já é bastante bom.
Mas, o que podemos falar como marcas importante desse período?
Usando uma recente conversa com pais, pensei em iniciar essa discussão com vocês a partir de dois aspectos, que são: O que entra em jogo na adolescência e a necessidade do grupo para o adolescente.
Quando falo sobre isso, muitas vezes as pessoas respondem: hormônios.
Sim, eles começam atuar e modificam corpos. Essa modificação, além de ser física, é um trabalho psíquico de reorganização, reordenamento de uma imagem… como me vêem, como me enxergam, como eu mesmo me vejo. Era criança, corpo de criança e, de repente, as coisas já não se passam da mesma forma. Mas também não se é adulto. O que fazer com isso, então? Com quem dividir essa experiência de estar em mutação? Nada melhor do que quem vive essa mesma experiência.
Também ocorre uma importante mudança em relação ao pensamento, que começa a poder fazer abstrações. Isso implica na capacidade de pensar longe de mim, explorar outras referências, questionar valores aprendidos na família, pensar em mudar a ordem estabelecida, criar…
Muitas vezes, essa potência de pensamento é muito mal vista pelos adultos, principalmente quando ela aponta justamente onde eles falham: nas suas práticas, nos seus discursos, nas contradições entre um e outro.
Se o adolescente não é ainda adulto e já não é criança, precisa de um lugar. Esse lugar encontra, então, junto a outros adolescentes. Por isso andam em grupo, por isso dentro do grupo se parecem. Por isso os amigos são tão importantes.
Se durante a adolescência precisam manter uma certa distância dos adultos, precisam de amparo para não se sentirem tão sós. E sabemos que é na adolescência que começamos a nos questionar sobre grandes perguntas da vida, como a morte, por exemplo.
Falamos dos amigos, mas ainda não tocamos na descoberta do outro sexo. É na adolescência que essa se constitui e as primeiras experiências são realizadas. Estou falando dos crushes, da paixão platônica, do interesse pelo garoto ou garota, ficar com um ou outro, como primeiros ensaios para vivências adultas que virão mais tarde.
Há agora a ausência das festas, onde os ensaios e primeiros beijos normalmente ocorrem.
Existe a falta do espaço da escola, esse que muitos reclamam da necessidade de frequentar, mas que para próprio espanto declaram sentir grande falta.
Em uma grande cidade como São Paulo, muitos jovens só encontram outros, presencialmente, na escola. Nela é que as grandes amizades são feitas ou desfeitas, que os primeiros amores surgem, assim como os namoros, os grupos e a circulação por eles. Os outros interesses (diferentes da família), as novas ideias e a identificação com outras pessoas fora do âmbito familiar.
Bem, então, o que deve estar se passando com os adolescentes nesse momento de reclusão imposta, longe da escola, dos amigos?
Claro que cada adolescente é único e vive esse momento com as ferramentas que possui.Quanto maior for o número delas e sua diversidade, tanto melhor.
Um adolescente que tem o hábito de ler pode achar resposta na experiência de outras pessoas sobre momentos de solidão, afastamento. A música, o cinema, as artes de forma geral, podem propor alternativas muito interessantes para esse momento.
A escrita é uma arma potente. Os que podem se valer dela ganham na elaboração de situações e sentimentos. Há ainda os jogos e as diversões, as habilidades manuais e as atividades físicas. Enfim, alternativas.
Por trabalhar em escola, tenho acompanhado muitas discussões sobre o seu papel nesse momento. Vamos agora para a quinta semana dessa nova experiência. Falando como psicanalista e não como pedagoga (essa parte da análise deixo para colegas melhor capacitados que eu), que tenho visto com muito bons olhos o movimento das escolas, no sentido de propiciar atividades aos seus alunos. Algumas com maior, outras com menor facilidade, mas uma busca em ocupar esse espaço que foi abruptamente retirado. O que penso sobre isso? Que essa presença pode auxiliar nossos adolescentes a refletirem e a atravessarem melhor os percalços desse momento.
Com isso não quero dizer que devemos falar todo o tempo da pandemia, nem mesmo pensar que a experiência online possa substituir o presencial, mas pode assegurar que recebam elementos que agucem seu pensar, que ajudem a construir possibilidades e formas de lidar com o que enfrentam agora.
Outro dia, um adolescente me dizia que tentava fazer as lições para se ocupar e “tirar da cabeça” as difíceis situações que estava vivenciando por conta da quarentena. Claro que os conteúdos não resolverão, por si, essas dificuldades, mas ele os usava para impor um necessário distanciamento entre sentimento e necessidade de ação. O estudo possibilita e oferece alternativas, muitas vezes, a uma posição de absoluta impotência.
Bem, por meio desses encontros virtuais que, volto a repetir, não são os ideias mas os possíveis no momento, os adolescentes podem obter maior repertório no encontro com seu grupo e com seus professores.
Todos que conhecem uma sala de aula, nem que seja da experiência como aluno, sabem que nela ocorre uma infinidade de possibilidades que vão muito além da simples transmissão de um conteúdo.
É também por meio desse encontro que podem obter diferentes formas de lidar com as difíceis questões que se colocam nesse momento e que eles compreendem bem, diferente das crianças.
Entendo que vivenciar essa experiência sabendo que nós, adultos, estamos dispostos a auxiliá-los nessa travessia, por meio da escuta, da problematização da situação e levantamento de possibilidades continua a ser o melhor que podemos oferecer como escola.
por Olga Lima – Orientadora Educacional da Escola Projeto Vida